“Frankenstein” expressou as angústias geradas pelo capitalismo no início de sua fase industrial. E embora agora, no século XXI, estejamos vivendo na sua fase pós-industrial e financeira, o livro de Mary Shelley continua inspirando uma infinidade de novas narrativas. Isso porque, não apenas temos nos mostrado incapazes de resolver os paradoxos da modernidade, como continuamos aprofundando e intensificando esses mesmos paradoxos. As angústias experimentadas há cerca de duzentos anos, quando o mundo se tornava cada vez menos natural e mágico, seguem nos atormentando em nossa realidade progressivamente artificial e opaca.
Releitura bastante atual de Mary Shelley, “Westworld” (2016-2020) repete, mas também renova e atualiza suas questões. O ponto de partida de ambas as obras é o desenvolvimento tecnocientífico que deslocou Deus do centro do universo, dotando o homem de um poder sem precedentes, mas atribuindo-lhe uma responsabilidade e uma carga também desconhecidas. A imortalidade, ainda apenas sugerida no início da sociedade industrial, vinha de uma ciência que criava vida a partir de pedaços de cadáveres. Ainda latente, a tecnologia daquela época, ilustrada pelos métodos do Dr. Frankenstein, era primitiva demais para que se pudesse imaginar os pesadelos que ora experimentamos diante de uma imortalidade cada vez mais possível.
Em “Westworld”, entretanto, um desenvolvimento tecnológico inimaginável no século XIX permite que a busca pela imortalidade seja colocada no centro da trama. Os “anfitriões” que recebem os visitantes do parque são seres artificiais, criados a partir de uma capacidade sofisticada para produzir réplicas humanas muito próximas de nós nos planos físico, mental e emocional. Nessa busca pela imortalidade, o passo seguinte é o armazenamento de todo o conteúdo mental e psicológico de cada visitante em arquivos digitais. Finalmente, a partir daí, recriar artificialmente pessoas que morreram, combinando sua “alma”, ou “essência”, e sua memória com uma réplica dotada de qualidades físicas sobre-humanas e uma capacidade mental de computador. Enfim, um indivíduo quase imortal, já que em caso de sua destruição, novas cópias podem ser produzidas indefinidamente. Em contrapartida, assim como em “Frankenstein”, essa obsessão em prolongar a vida cobra um nível de violência cada vez maior e, paradoxalmente, se sustenta no incontível desejo de morte que sempre assombrou a humanidade.
Muito bom. O incrível é que a imortalidade possível, vem vem de braços dados com a ciência fina posta em questão. Meio o oposto daquele momento, de ciência incipiente.