O belga René Magritte (1898 – 1967), um dos grandes da pintura surrealista, permanece um ícone de um movimento que incluiu pintores como Pablo Picasso, Salvador Dali, Marcel Duchamp, Frida Kahlo, Paul Klee, Max Ernst e Joan Miró. O surrealismo, que teve em Giorgio de Chirico um de seus precursores, foi formalizado com um manifesto do escritor André Breton, em que afirma sua estética como resultado do automatismo psíquico verbal, por escrito ou em qualquer outro meio, materializando o pensamento sem controle da razão. Também influenciado pelas teses de Freud e Marx, o surrealismo buscava uma desestabilização da percepção convencional do mundo e de nós mesmos, visando estimular nosso inconsciente, sem considerar a lógica e a moral. Sua meta era sabotar o mundo como conceito e reapresentá-lo como metáfora.
Magritte, que também visitou outros estilos, como o cubismo e o impressionismo, produziu um tipo realista de surrealismo. Em contraste com as representações oníricas de Dali, ou mais próximas do abstracionismo, como as pinturas de Miró, suas obras resultavam da justaposição de objetos comuns, como o torso feminino, o chapéu coco, a rocha e a janela e o castelo, em representações realistas. O seu modo de compor elementos comuns, entretanto, resulta em um paradoxo: imagens belas em sua clareza e simplicidade, que provocam desconforto e estranhamento. Nas variações da série “O império da luz” (1949-1954), por exemplo, vemos uma rua fracamente iluminada por um poste de luz. Ao fundo, a luz amarelada das janelas na fachada escura das casas completa o cenário noturno. Mas, acima, um céu azul celeste salpicado de pequenas nuvens brancas nos deixa perplexos.
Ao combinar uma figuração bastante naturalista de objetos triviais em uma composição paradoxal, Magritte gera um efeito que muito se assemelha ao “estranho familiar”, ou “infamiliar”, de Freud. Essa deve ter sido a sensação de nossos ancestrais, setenta mil anos atrás, quando nos tornamos capazes de refletir sobre a existência. Deixamos de acessar o mundo diretamente, como os animais, e passamos a inventar explicações. Inventamos histórias e imagens de deuses e monstros, para explicar o mundo e a razão de nossa existência e, para fugir do caos, criamos representações de um universo ordenado. Narrativas e pinturas, com suas regras e convenções, para ocultar o que há de monstruoso em nós mesmos e no mundo. Mas, como o próprio Magritte um dia declarou, não devemos temer a luz do dia, só porque ela quase sempre ilumina a miséria do mundo.