MONTEIRO LOBATO PARTE II – O BRASIL PARA CRIANÇAS

Enquanto “O presidente negro” defende abertamente a eugenia e a superioridade intelectual e estética dos brancos sobre os negros, em sua obra voltada para o público infantil Lobato se revela bastante cuidadoso. E se em sua produção para adultos seu amor ao Brasil se manifesta, principalmente, na forma de crítica, nas aventuras da turma de Pedrinho, Narizinho e Emília encontramos uma homenagem à nossa natureza e aos nossos monstros populares. Já no “Saci” (1921), primeiro volume do “Sítio do Picapau Amarelo”, Lobato manifesta sua ideia de brasilidade e seu projeto para o país por meio dessas criaturas. Com o Saci, homenageia a esperteza e inventividade do brasileiro; apesar de negro, é retratado como inteligente e íntegro, mesmo se travesso. Sua preocupação ambiental se revela através de Curupira e de Caipora, protetores das florestas. Com o Negrinho do Pastoreio, remete aos crimes do regime escravocrata, e a participação do indígena em nossa cultura transparece na menção a Jurupari (espirito mau indígena). A esses, o autor acrescenta a Mula-sem-cabeça, lobisomens, bruxas, Iara, Boitatá, a Porca dos sete leitões, e a Cuca. Através desses monstros, Lobato constrói uma visão rica e complexa do brasileiro e de sua cultura multiétnica.

Sua admiração pela nossa fauna e flora fica evidente nas passagens em que discorre detalhadamente sobre diferentes tipos de planta e de animais silvestres. E embora jamais se filiasse ao projeto antropofágico dos modernistas da semana de 1922, Monteiro Lobato, à sua maneira “devora” culturas estrangeiras e as digere com elementos brasileiros: além dos nossos monstros, Pedrinho, Narizinho e companhia se envolvem com os europeus duendes e gnomos e com a mitologia grega clássica. Em “O Minotauro” (1939), os heróis do Sítio se encontram com Pégaso, Bucéfalo (cavalo de Alexandre, o Grande), as sereias, deuses e semideuses, ninfas e heróis, faunos, grifos e sátiros, centauros e monstros tremendos, como a Esfinge, a Quimera, a Hidra de Lerna. E os irresistíveis quitutes de Tia Nastácia levam o próprio Minotauro a abandonar sua dieta de carne humana para ficar obeso, de tanto comer seus bolinhos.

Lobato não se satisfaz apenas em nos “apresentar” a sabedoria e o conhecimento clássicos. É fácil perceber o elogio do autor à contribuição da Grécia antiga na formação da cultura ocidental e, claro, também do Brasil. Mas, em “O Minotauro” nossos aventureiros também têm o que dizer. A certa altura, a boneca Emília anuncia seu desejo de abrir uma escola para os gregos, pois os acha atrasadíssimos. Enquanto isso, Dona Benta e Péricles debatem o futuro da Grécia e discutem sobre política e escravidão. Como se não bastasse, Pedrinho, Emília e o Visconde de Sabugosa invadem disfarçadamente o Olimpo e roubam um pouco do néctar e da ambrosia dos deuses. Quando fala às crianças, Monteiro Lobato as educa sobre o mundo, mas sem nunca deixar de valorizar o que ele vê de valioso no brasileiro.

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