No dia 30/3, o Cineclube Cláudio Besserman Vianna abriu a programação de 2019 com “O estranho” (1946), de Orson Welles. Desta vez, nosso debatedor convidado foi Luiz Carlos Oliveira Jr., professor do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense. O debate, intenso como de costume, foi coordenado por mim, curador do evento. Segundo o professor Luiz Carlos, trata-se do filme mais convencional de Welles. Na época, com dificuldade de conseguir apoio dos estúdios por sua originalidade e baixa bilheteria, o diretor concordou em filmar dentro das convenções hollywoodianas. O resultado foi uma produção que muitas vezes lembra Hitchcock, e segue a estética do “filme noir”.
Em “O estranho”, com o fim da II Guerra Mundial, o nazista Franz Kindler (Welles) passa a viver sob uma falsa identidade, como professor e noivo da jovem Mary Longstreet (Loretta Young), filha do juiz da pequena e pacata cidade de Harper, em Connecticut. Porém, quando um dos antigos companheiros alemães de Kindler, Konrad Meinike (Konstantin Shayne), chega inesperadamente à cidade trazendo em seu rastro Mr. Wilson (Edward G. Robinson), um investigador da Comissão de Crimes de Guerra, o nazista toma medidas desesperadas para preservar seu segredo.
Em várias cenas os nazistas são descritos como monstros, capazes de ameaçar a inocência da pequena comunidade interiorana, que se apresenta como símbolo de tudo o que há de bom e nobre na natureza humana. O caçador de nazistas chega a dizer que tais monstros, quando lhes interessa, podem passar desapercebidos das pessoas de bem, e até agir como elas. Mas, se não se pode identificar um monstro, então é preciso admitir que há um monstro latente em cada um de nós. O próprio Mr. Wilson, para cumprir sua missão, demonstra uma frieza e objetividade chocantes, replicando o argumento de Kindler, de que apenas cumpria ordens, em nome de uma causa.
Incontáveis produções hollywoodianas pós-guerra se esforçaram para apresentar os alemães e seus aliados como monstros, justificando a ação militar dos aliados. Em “O resgate do soldado Ryan” (1998), Spielberg descreve o segundo conflito mundial como a última “boa guerra”. Mas, não há guerras boas. Em toda guerra, o que há é sempre uma explosão da monstruosidade humana. E o filme de Welles, como toda história de monstro, levanta a questão sobre como saber se o monstro não somos nós.