A RESSURREIÇÃO DO LARIÇO

Lariço é um pinheiro de regiões geladas como Kolimá, capaz de viver durante séculos. No conto que dá nome ao quinto volume, um homem, no dia da sua execução, envia pelo correio um ramo de lariço para sua esposa, em Moscou. O ramo chega seco, morto. Mesmo assim, ela o coloca numa jarra com água. O condenado não envia o pequeno galho para que lembrem de si, “mas em memória das milhões de pessoas assassinadas, torturadas, jogadas em valas comuns no Norte de Magadan”. O condenado não imaginava que o galho voltaria a viver em Moscou, que, ressuscitado, teria o cheiro de Kolimá, desabrochando numa rua moscovita, mostrando sua força, celebrando sua imortalidade. Este último conto sintetiza os relatos que o precedem. Nos contos anteriores, repetem-se cenas dos primeiros volumes, de humilhações e tormentos infligidos sem razão, de mortes súbitas e violentas, de mortos-vivos aleijados pelo trabalho, esquálidos, tomados pelo escorbuto e com o corpo coberto de chagas. Mas há espaço também para alguma poesia, que nasce da descrição da natureza dura, áspera, muitas vezes mortal, mas ainda bela.

Em várias passagens de sua obra, o autor declara o esgotamento do humanismo que transborda da literatura do século XIX, como encontramos em Balzac, Victor Hugo, Robert Louis Stevenson e Stendhal. Em especial, reafirma o esgotamento da literatura russa da geração de escritores como Tolstói, Dostoiévski, Tchekhov, Gorki, cujo humanismo, ele crê, desembocou nos fuzilamentos em massa de 1937/38 e em todo o horror stalinista. Em “Dor”, Chalámov destrói qualquer crença na possibilidade de uma sociedade baseada nesse humanismo, no valor e nobreza da vida humana. O protagonista é Chelgunóv, um acadêmico que desde o berço aprende a enxergar o mundo através dos valores da literatura russa do século XIX. Em Kolimá, perplexo e desencantado com a fraqueza e tibieza dos homens a sua volta, encontra no mundo criminal modelos vivos da força e vigor que tanto o encantara em suas leituras. Os blatares tinham o costume de eleger um “romancista”, isto é, um contador de histórias para diverti-los, e Chelgunóv se torna o preferido do chefe. Em troca, recebe proteção e pequenos privilégios, como a garantia de que suas cartas seriam entregues em Moscou, à sua esposa.

Logo é convencido a também escrever cartas de amor para um suposto criminoso da organização, com o mesmo nome de batismo, que desejava agradar a mulher amada, fora dos muros da prisão. Como um Cyrano, escreve cinquenta cartas, ao longo de quase um ano. Um dia, o “Rei” dos blatares atira uma cabeça decepada a seus pés. Diz que era o criminoso para quem escrevia as cartas. Diz que deve escrever uma última missiva para a musa do bandido, dizendo-se um camarada do falecido, que fora fuzilado naquele dia.

Chega o dia de sua soltura e Chelgunóv retorna a Moscou, mas não encontra a esposa. Uma vizinha diz que, depois de saber de seu fuzilamento, ela havia se matado, atirando-se na frente de um trem, como Anna Karenina. Fora enganado. As cartas entregues a sua esposa foram as que ele escrevera para o suposto criminoso de mesmo nome, levando sua própria amada ao suicídio. Encontra e queima as cinquenta cartas e termina seus dias como alcoólatra. Por um caminho inesperado e perverso, as promessas do humanismo do século XIX se transformaram no horror do século XX. E esse horror chegou aos dias de hoje, quando todos à volta parecem se transformar, inesperadamente e sem explicação, em monstros irracionais que devoram tudo o que um dia foi bom e civilizado, como zumbis e sua fome monstruosa e insaciável.

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