MONTEIRO LOBATO PARTE III – QUAL MODERNIDADE?

A popularidade da obra infantil de Monteiro Lobato se mantém até hoje. Entretanto, sua imagem ficaria marcada por “Mistificação ou paranoia?”, crítica publicada no “O Estado de São Paulo”, sobre a exposição dos quadros de Anita Malfatti, em 1917. Crítico de arte daquele jornal e ele próprio um pintor acadêmico, fiel às regras da verossimilhança, rejeitou a pintura modernista de Malfatti como irracional, comparável à produção artística de internos dos manicômios. Veiculado num jornal de prestígio entre a elite paulistana, seu texto leva à rejeição por parte do público, que chega a devolver quadros comprados, levando ao encerramento da exposição. Em sentido inverso, funcionaria como estopim para reunir artistas modernistas brasileiros, até então dispersos, criando um movimento que culminaria na Semana de Arte Moderna de 1922.

No início do século XX, e particularmente na década de 1910, intelectuais e artistas buscam identificar o que há de autêntico no povo brasileiro. Monteiro Lobato, em sua literatura e seus textos, se volta para o brasileiro que habita no interior, no sertão. Herdeiro de uma elite agrária, seu nacionalismo se traduz na valorização de elementos de um Brasil que começa a ficar para trás, ao mesmo tempo em que aponta para a necessidade de investimento na educação do trabalhador rural e urbano e na modernização industrial tecnológica do país. Neste aspecto, admira os EUA, enquanto rejeita a influência europeia, que considera decadente. Assim, se revela moderno no que tange ao progresso científico, mas tem dificuldade em abraçar os movimentos estéticos que vêm da Europa, fonte de inspiração para Anita Malfatti e outros modernistas brasileiros. Abraçando uma modernidade de base positivista, luta para proteger o país dos perigos estrangeiros, incluindo as escolas literárias que por aqui chegavam e que, em sua opinião, ameaçavam a consolidação de uma proposta estética nacional.

É tarefa complexa definir este autor, de muitas maneiras contraditório. Apesar de sua resistência aos ventos modernizantes soprados da literatura e das artes europeias, é inegável seu esforço como editor e empresário para modernizar o Brasil. Vendeu a fazenda herdada de seu avô, Visconde de Tremembé, para comprar a “Revista do Brasil”, que usou para divulgar suas ideias e causas nacionalistas. O sucesso comercial da empreitada lhe permitiu fundar a editora Monteiro Lobato & Cia, que se tornaria a Companhia Editora Nacional. Tratados como objeto de consumo, editava livros com capas coloridas e atraentes em cuidadosa produção gráfica. Adotou uma política de distribuição que contava com vendedores autônomos e distribuidores espalhados por todo o território nacional, revolucionando e ampliando nosso mercado editorial.

Ora racista, ora denunciado o escravagismo, antimodernista e moderno, nacionalista e crítico de nossas elites políticas e acadêmicas, conservador como pintor e inovador na literatura, Monteiro Lobato é de tão difícil apreensão quanto os monstros da ficção. E tão complexo e contraditório quanto o Brasil e os brasileiros.

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