Neste momento, prefiro não ter opinião formada sobre a escolha de Elizabeth Bishop como homenageada da FLIP 2020. Não participei dos debates da comissão organizadora e desconheço seus argumentos e critérios. Acredito que outros nomes poderiam ter sido selecionados com boas razões e justiça. Dentre os que se proclamam democratas, progressistas, de esquerda, etc., tem havido um ruidoso movimento de protesto, majoritariamente através das bolhas, digo, das redes sociais. Não é novo esse comportamento. Alardeiam, infinitamente, o apoio da poeta ao golpe de 1964, seu desprezo, declarado em cartas, à nossa cultura, ao homem e à mulher brasileira. São poucos a quem ocorre mencionar, neste país de homens machistas, estupradores e feminicidas, de mulheres brancas racistas, homofóbicas e que odeiam os pobres, que Elizabeth viveu abertamente uma relação homossexual com a arquiteta Lota de Macedo Soares.
A poesia de Bishop é admirável. Seu poema “A arte de perder” transformou, de forma comovente e definitiva, minha visão da vida e de mim mesmo. Mas com a mesma volúpia com que reproduzem trechos de suas cartas, ignoram sua arte. Todos gritam: Bishop é um monstro! Monteiro Lobato deve ser lançado à fogueira. A música de Richard Wagner deve ser apagada da história. Marinetti que arda em fogo eterno. Que se destruam todas as cópias de todos os filmes de Woody Allen. Criemos um Comando de Caça ao Artista monstruoso! Vasculhemos a História da Arte, e que não reste uma obra de criadores que não foram santos. No caso de artistas ainda vivos, que sejam sumariamente silenciados, junto com sua obra!
Pensar sempre foi perigoso. Pensar é trabalhoso. Pensar nos leva ao questionamento e à eterna dúvida. Me apavoram as certezas. Incerto é o Universo. Melhor brandir convicções. Hitler cultivava certezas sobre a obra de comunistas e de homossexuais. Stalin condenou toda “arte burguesa degenerada”. PolPot dizimou centenas de milhares de artistas, intelectuais e acadêmicos. Mao TséTung, com sua Revolução Cultural, liquidou vidas e a liberdade de pensar.
Que Elizabeth Bishop seja banida da FLIP! Caso contrário, esvaziemos a FLIP. Será uma vitória contra o fascismo, não? Para quê participar de sua homenagem? Ocupar e resistir exige enfrentar o mundo fora das nossas confortáveis bolhas digitais. Enfrentar o bom debate é arriscado: podemos nos ver diante de um incômodo espelho.
Brademos todos: matem o monstro! Numa fogueira intensa que abafe seus gemidos. Num tiro certeiro, “bem na cabecinha”, antes que ele deixe escapar seu lamento humano. Num golpe rápido, que cale o pecador. Repita com vigor: ele é o monstro, não eu! Eles são todos monstros, não nós! Diga e repita e reproduza, sem pausa, sem vírgula, incansavelmente. Porque senão, mesmo que num breve momento de silêncio, poderá surgir a dúvida: o monstro, não seremos todos nós?