O gangster é um monstro legitimamente americano. É também o primeiro monstro relevante da ficção ocidental do século XX, e nasce como metáfora para a mudança de identidade de um imenso país, anunciando os abalos sociais e culturais do início de uma nova fase do capitalismo nos Estados Unidos e no mundo. É uma figura que irrompe como novo personagem numa mitologia que havia se constituído e se consolidado desde a segunda metade do século XVII.
As primeiras narrativas mitológicas da jovem nação norte-americana se inspiravam nos elementos e nas convenções europeias, baseadas nas mitologias clássicas greco-romanas. Os imigrantes puritanos haviam partido da Inglaterra com a ideia de encontrar o paraíso na terra e ali formar uma nova sociedade. O que encontraram, porém, foi uma natureza selvagem e desconhecida, habitada por povos com um modo de vida e uma cultura muito diferente. Na segunda metade do século XVII surgem as narrativas do cativeiro. Essas histórias buscavam expressar as esperanças dos colonos e seus conflitos com os povos indígenas em um drama arquetípico, que passou a funcionar como um mito. A estrutura mitológica estabelecida se repete na literatura dos séculos seguintes, chegando ao cinema hollywoodiano quase sem alteração.
Até as duas primeiras décadas do século XX, os americanos se viam como uma civilização agrária, cercada por uma natureza selvagem. Mas, entre os anos 1920 e 1930 essa autoimagem muda. No ambiente das grandes cidades, a violência se dá entre concidadãos, na necessidade da convivência em espaços restritos, na luta por um lugar no mercado. A crise de identidade resultante dessa nova situação pede uma nova metáfora. Filho deste novo mundo e totalmente à vontade neste cenário, o gangster surge para ocupar essa função de forma poderosa no Mito do Monstro.