O HORROR DO NOSSO MUNDO

Os monstros imaginários são metáforas do Mito do Monstro. São construções simbólicas em que atribuímos à figura do monstro tudo o que em nós é sombrio e repugnante. Os valores morais de cada comunidade determinam suas características e de suas histórias, e sua potência metafórica permanecerá enquanto ele expressar as angústias existenciais de uma comunidade. Quando o que ele representa passa a ser aceito, ou normatizado, sua força metafórica desaparecerá, junto com suas histórias.

Metáforas nascem para nomear aquilo que não pode ser explicado. Com o tempo, metáforas tendem a se tornar conceitos bem definidos. A ideia do “humano”, entretanto, resiste a caber numa conceituação. A mais potente metáfora contemporânea para nossa angústia existencial é o zumbi nascido em A noite dos mortos-vivos, de George A. Romero. É ele quem melhor nomeia a crise em existir num mundo em que o velho já não funciona e o novo nos amedronta. “Zumbi” é a expressão da insegurança gerada por uma realidade sem precedentes, em que nos definirmos como humanos se tornou um desafio radical, por existirmos em um mundo que morreu, mas que permanece em movimento. Do mesmo modo, o zumbi é um “morto-vivo”.

É a representação do nosso horror diante do mundo. Horror, e não, terror. “Terror” se refere a situações capazes de produzir um medo exagerado. “Horror” nomeia um estado mental e emocional mais difícil de caracterizar. O horror possui uma qualidade espetacular, produzida por imagens de tal densidade semiótica, que chega a turvar toda a compreensão do fenômeno a que o expectador é exposto. O horror nasce de um bombardeio tão avassalador de imagens e sentidos, inclusive opostos e excludentes entre si, que bloqueiam nossa capacidade para interpretar o que se apresenta diante de nós. Este excesso de estímulos caracteriza o mundo atual, que se nos apresenta na forma de espetáculo. O horror do zumbi vem de uma representação que nos excede, que cega e bloqueia todos os canais de raciocínio, que supera por saturação ou fascínio a capacidade de ver, que transborda aquilo que culturalmente somos capazes de contemplar, para o quê não possuímos uma linguagem. Dentro e além da linguagem, a palavra zumbi nomeia e expressa ansiedades que nos paralisam e nos deixam sem fala, porque a fonte dessas ansiedades é a dissolução de todas as estruturas, todas as instituições, todas as convenções, todos os referentes que orientam nossa existência. É a metáfora do horror de existir num mundo que está desmoronando sem que se vislumbre o novo, um caminho, uma alternativa, uma utopia. “Zumbi” é um nome poderoso para a ansiedade existencial causada por um mundo que se tornou um grande espetáculo. E a função do espetáculo é ocultar o horror.

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